segunda-feira, 11 de outubro de 2010

CONFLITO SOBRE AVALIAÇÕES DE IMÓVEIS PREJUDICA A SOCIEDADE BRASILEIRA

  1. Por: Rone Antônio de Azevedo


O direito de estabelecer o valor dos imóveis no Brasil está sendo questionado na Justiça Federal pelos representantes de duas importantes categorias profissionais: o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) e o Conselho Federal dos Corretores de Imóveis (Cofeci). A controvérsia envolve interesses econômicos, questões éticas e conhecimentos técnicos. Engenheiros e arquitetos possuem atribuição legal para realizarem avaliações de imóveis e são autores intelectuais das técnicas existentes. Corretores de imóveis, por sua vez, intermediam inúmeras transações imobiliárias no mercado e são bons estima dores práticos de valores.

Em 2006, o Cofeci aprovou a Resolução n° 957 estabelecendo competência dos corretores de imóveis para também elaborarem o parecer técnico de avaliação imobiliária, mediante alguns critérios. Essa regulamentação baseou-se na lei nº 6.530/1978, referente às atribuições legais dos corretores de imóveis. A Resolução nº 957 deu aos corretores de imóveis o mesmo reconhecimento legal concedido aos engenheiros e arquitetos para realizarem a atividade avaliação de imóveis.

As entidades profissionais de engenheiros e arquitetos repudiaram o ato administrativo do Cofeci, especialmente o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape). Diante dessa reação, o Confea e o Ibape acionaram a Justiça para contestar a legalidade da Resolução Cofeci nº 957/2006. Após julgamento dos recursos, o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região (TRF1) deliberou em 20 de agosto de 2010, reconhecendo a atribuição dos corretores em perícias de avaliações de imóveis. Essa decisão na segunda instância pode ser contestada e reformada nos maiores tribunais da hierarquia da Justiça do Brasil. Assim, para resguardar o exercício profissional previsto na legislação e na Constituição Federal, o Confea recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (5TJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Nos últimos anos, o Cofeci vem multiplicando esforços para alcançar o mesmo reconhecimento legal concedido aos engenheiros e arquitetos no tocante às avaliações de imóveis. Em 2008, o Cofeci apoiou no Congresso Nacional a proposta do Projeto de lei nº 2.992, referente à alteração do art. 3º da lei nº 6.530/1978 para autorizar os corretores de imóveis a efetuarem avaliações mercadológicas.

Em 2009, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, da Câmara dos Deputados no Congresso Nacional, rejeitou por unanimidade o Pl nº 2.992/2008, acatando a conclusão do relator deputado Eudes Xavier (PT-CE): a[ ... ] o valor de mercado do imóvel pode ser estimado pelos corretores, mas a elaboração do laudo de avaliação de acordo com as normas da ABNT, como determina o Código de Defesa do Consumidor e algumas resoluções do Banco Central, só pode ser feita por engenheiros". O Poder legislativo ponderou os riscos na liberação da atividade de avaliações para corretores de imóveis.

No cerne da questão judicial está a diferenciação entre comercialização e avaliação imobiliária. Há grande confusão entre opinar sobre valores de comercialização de imóveis e avaliar com metodologia técnicocientífica.Essa diferença decorre essencialmente da formação e da ética profissional. Corretores de imóveis estimam o valor para compra, venda e aluguel com base nas transações cotidianas praticadas no mercado. Exatamente por isso, as pessoas físicas geralmente contratam esses profissionais para saberem o preço de venda de suas propriedades. A avaliação do corretor é subjetiva e expedita, sem recorrer às técnicas matemáticas, pois seu objetivo é realizar a transação imobiliária.

Tratando-se de balanço patrimonial, operações financeiras, licitações, contratos públicos, ações judiciais envolvendo imóveis é necessário apresentar laudo ou parecer técnico de avaliação, especialmente para pessoas jurídicas - empresas e instituições. O valor dos imóveis deve ser comprovado através de métodos estatísticos e modelos matemáticos fundamentados segundo as normas técnicas vigentes.

As instituições financeiras brasileiras, por exemplo, acatam apenas laudos e pareceres de avaliação de imóveis elaborados por engenheiros e arquitetos. Bancos são muito criteriosos quanto às garantias imobiliárias, pois valores superfaturados comprometem o crédito nos financiamentos.

No Brasil, somente engenheiros e arquitetos tem atribuição legal para vistorias, avaliações e perícias de imóveis, conforme a Lei nº 5.194/1966, Resoluções do Confea nº 218/1973 e nº 345/1990. Em contrapartida, engenheiros e arquitetos não realizam corretagem imobiliária, pois essa atividade requer formação específica, sendo prerrogativa legal dos corretores dos imóveis.

Engenheiros e arquitetos são obrigados a aplicar as normas aprovadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), entidade civil sem fins lucrativos. O Código de Defesa do Consumidor (CDe) proíbe comercializar produtos e serviços em desacordo com as normas técnicas. Essa exigência legal visa a proteger a sociedade, garantindo segurança e qualidade nas relações de consumo. As normas para avaliação de bens da ABNT, série NBR 14.653, advertem sobre o requisito do registro profissional em Engenharia e Arquitetura para emissão de laudo ou parecer técnico de avaliação de imóveis.

A elaboração de laudos ou pareceres técnicos de avaliação de imóveis requer domínio das técnicas estatísticas e conhecimento das tecnologias construtivas para correta aplicação das normas técnicas. Os cursos superiores de Engenharia e Arquitetura possuem duração de 5 (cinco) anos, com ênfase em disciplinas matemáticas e tecnológicas. Comparativamente, o curso superior de Gestão Imobiliária possui
duração de 3 (três) anos e oferece noções básicas de matemática, priorizando os negócios imobiliários.

Conforme a ética profissional, quem avalia bens não deve vender, comprar, intermediar ou fazer qualquer tipo de transação imobiliária, garantindo total isenção com relação ao objeto. Os países desenvolvidos seguem esse princípio ético. No Brasil, por exemplo, médicos não podem prescrever e comercializar remédios. O Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1.931/2009, proíbe os médicos de exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional.

Mudar a prerrogativa da atividade avaliações de imóveis também suscita novos riscos, destacando:

1. Elevação do valor dos imóveis e o conseqüente aumento das comissões de corretagem, atualmente em torno de 3% a 8% sobre o valor de venda.
2. Especulação imobiliária, dificultando a aquisição e desapropriação de imóveis pelos governos para obras de infraestrutura e de habitação social, afetando diretamente a população de baixa renda.
3. Comprometimento das ações judiciais e operações no mercado imobiliário pela menor confiabilidade dos resultados nos laudos e pareceres elaborados com metodologia inadequada e/ou tendenciosa.
4. Competição predatória por preços entre categorias com formação e atuação distintas, prejudicando a qualidade dos laudos e pareceres técnicos de avaliação de imóveis.
5. Desestímulo ao aperfeiçoamento das metodologias de avaliação e das normas técnicas vigentes para contemplar categorias profissionais com conhecimento matemático mais rudimentar.

A última instância da Justiça do Brasil analisará criteriosamente as restrições éticas, o mérito e a competência de cada categoria profissional quanto às perícias de avaliações de imóveis. A sociedade brasileira não deve ser onerada em função de interesses econômicos isolados. Ao invés de cobiçarem atribuições dos engenheiros e arquitetos, corretores de imóveis poderiam propor parcerias para troca de informações entre as respectivas categorias, contribuindo na redução dos riscos aqui apontados.

PARA SABER MAIS
• Livro "Responsabilidade dos Engenheiros e Arquitetos: Fundamentos e Aplicações da Perícia
Judicial", publicação com ampla análise do exercício profissional, avaliações e perícias de imóveis.
• Site da Assessoria em Perícias e Avaliações de Engenharia de Goiás (Aspeago) -
http://www.aspeago.com/ - serviço gratuito de notícias, artigos e trabalhos técnicos para consulta.

1 Engenheiro civil, especialista em Avaliações e Perícias de Engenharia, e-mail: roneazevedo@gmail.com . Reprodução permitida, desde que sejam citados a fonte e o autor do artigo.

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