Sidney Carvalho*
INTRODUÇÃO
O Brasil é o 10º maior consumidor de energia do mundo e o maior da América do Sul, sendo que a sua matriz energética (capacidade instalada) conta com 73,63% oriunda de usinas hidroelétricas. Com o crescimento econômico nacional, atrelado ao consumo de bens duráveis e não duráveis, devido ao aumento da capacidade de compra e endividamento do consumidor, impulsiona a necessidade de aumento da oferta de energias de toda a ordem. O Brasil se destaca, dentre os países emergentes (como a China e Índia), em termos de aumento da oferta de energia elétrica, dado o enorme potencial hídrico presente em seu território. Obrigatoriamente o setor energético precisa estar em constante desenvolvimento e crescimento, pois é a primeira infraestrutura necessária a assegurar o desenvolvimento de um país, ou seja, o desenvolvimento de uma nação está intrinsecamente ligado à geração de energia que ela possa gerar ou adquirir. E, para fazer chegar a energia ao consumidor, independentemente de sua fonte, imprescindível cortar o país com as chamadas Linhas de Transmissões de Energia Elétrica - LT’s, sendo que o modo para tal êxito será pelo instituto chamado de Servidão Administrativa.
CONCEITO
Por definição e de uma maneira geral, servidão é a restrição às faculdades de uso e gozo que sofrerá a propriedade em benefício de alguém (Clóvis Beviláqua); é um meio de intervenção na propriedade, que não ocasiona a perda da posse, mas traz restrições quanto ao uso por meio de uma imposição específica, onerosa e unilateral. Caracteriza-se por uma das formas de intervenção do Estado na propriedade privada. É a irmã menor da desapropriação. Não se confunde com a servidão civil (Lei Federal no 10.406/02, Título V), nem tão pouco com servidão florestal (Lei Federal no 4.771/65, art. 44-A, inserido pela Medida Provisória no 2166-67/2011). Como resultado desta intervenção, aparecerá um ônus que o proprietário deverá suportar, em razão da dificuldade de seu uso livre e desembaraçado, que inclusive ficarão gravadas à margem da matrícula do imóvel.
ÔNUS DECORRENTE
Quanto aos ônus decorrentes, citam-se os principais: a) criação de faixa não edificável (faixa de limpeza ou segurança) calculada a partir do eixo da LT, conforme a tensão projetada (ABNT-NBR-5422/85), não podendo erigir edificações quer seja para moradias, produção ou recreação e caso existam, deverão ser demolidas; b) custos com desmonte; c) limitação de uso e acesso; d) riscos devidos a rompimento dos cabos elétricos por fadiga; e) defeitos de isolamento e de aterramento junto às estruturas metálicas de suporte, tornando-se desaconselhável a aproximação de pessoas e animais; f) maior probabilidade de descargas elétricas, extensivas às propriedades vizinhas, criando naturalmente um temor psicológico aos moradores adjacentes; g) possibilidade de ocorrência de fenômenos de indução (eletromagnética e/ou eletrostática) acima do limite tolerado; h) perturbações, incômodos e perda da privacidade pela presença de funcionários da concessionária transitando por dentro do imóvel para realizar as manutenções corretivas e preventivas nas LTs e nas torres; i) proibição de plantio de culturas de porte médio a alto; j) desmatamento executado pela concessionária, justamente na mesma área destinada à preservação permanente, à reserva legal e/ou à servidão florestal já averbada na matrícula do imóvel (Decreto no 6.514/08 e Lei Federal no 4.771/65, art. 44-A); l); lucros cessantes, quando a terra for considerada produtiva ou potencialmente produtiva; m) depreciação do valor do imóvel; n) desvalorização da área remanescente; o) desvalorização conforme o seccionamento do terreno resultante do modo e local da passagem da LT etc. Por tudo isso, dependendo do caso, dizer que o imóvel, afetado pela servidão de passagem da LT, estaria suscetível de produzir a obsolência total da propriedade não seria exagero e neste caso o instituto seria a desapropriação. Por assim ser, buscar uma compensação financeira que possa suportar esse ônus e os prejuízos decorrentes passa ser o foco principal concomitantemente a solução ideal para ambas as partes.
FUNDAMENTAÇÃO
A instituição da servidão administrativa é precedida sempre de ato declaratório, à semelhança do decreto de utilidade pública para desapropriação, exposto na lei geral de desapropriação - Decreto-Lei 3.365/41, art. 40, que admite a constituição de servidões. O art. 151 do Código de Águas (Dec. 24.643, de 10/07/34) expõe que as concessionárias terão como direito, estabelecer as servidões permanente, ou temporárias exigidas para distribuição da energia elétrica, além de estabelecer linhas de transmissão e de distribuição. O estatuto regulamentador da matéria de ordem geral é o Decreto n° 35.851/54, art. 2ª, § 1º, que “para a fixação das áreas sujeitas ao ônus da servidão, a administração terá em vista, entre outros característicos, a tensão da linha, o número de circuitos e o tipo da construção”
Igualmente como ocorre nos casos de desapropriação, o interesse da coletividade supera o interesse individual. Mesmo assim, este último não poderá sozinho ficar desamparado em qual processo esteja passando, tanto que o mesmo artigo do decreto primeiro supracitado expressa que o expropriante só poderá constituir servidões, “mediante indenização na forma desta lei”. O art. 5° do Dec. 35.851/54, ratifica que “os proprietários das áreas sujeitas à servidão têm direito à indenização correspondente à justa reparação dos prejuízos a eles causados pelo uso público das mesmas e pelas restrições estabelecidas ao seu gozo”. Igualmente a C.F. de 88 (art.5o - XXIV) garante a “prévia e justa indenização em dinheiro”.
Assim, passa o tema ser amplamente discutido no meio jurídico, principalmente naqueles casos onde não foi possível estabelecer-se amigavelmente entre os partícipes do processo, por conseqüência, levado à esfera judicial para perícia técnica e decisão.
Mesmo quando executados dentro do escopo legal, vários processos têm pousado nos fóruns do Brasil, muitos deles relacionados às alterações e distorções do projeto inicial quanto a exata localização e a exata área atingida, infelizmente identificado o erro somente após lavratura da escritura. Mas, distorções acerca dos valores indenizatórios oferecidos, ainda na fase administrativa prevalecem como a maioria. Tal situação costuma caracterizar-se por ofertas totalmente fora dos valores justos como pregam as leis. Além de não atingir os prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário, muita dessas ofertas são imputadas sem qualquer critério que possa estar revestida por uma metodologia científica segura. Curiosamente tais valores ofertados estão muito aquém dos valores praticados no mercado, por assim ser, distante da idéia de justo. A presente realidade piora ainda mais quando o imóvel objeto da servidão é considerado como rural. Ledo engano daqueles que defendem a “idéia” de que sendo um imóvel rural, este deva necessariamente e sempre valer menos se comparado com um imóvel urbano. A Engenharia de Avaliações ensina de que o imóvel deva valer por aquilo que tem condições de produzir (Método da Renda), portanto cai por terra aquela tese, pois dependendo do potencial existente sobre a terra rural, tal referência se inverte, e muito.
TÉCNICA AVALIATÓRIA
Na esfera judicial, tanto nas desapropriações quanto nas servidões administrativas, passa o valor indenizatório a ser o único ponto controverso efetivamente discutido, já que o meio para se garantir o espaço destinado à obra ou serviço de interesse coletivo tem seus procedimentos de praxe e rapidez quanto a imissão de posse. Entretanto, sabiamente em alguns tribunais presenciam-se as imissões de posse tão somente após a apresentação do laudo de avaliação do perito judicial nomeado e não mais mediante a apresentação de petição acompanhada do laudo de avaliação unilateral e parcial do ente expropriante. Nestes casos, o juiz fundamenta sua decisão com maior segurança, pois os laudos, quando confeccionados por engenheiros, costumam vir acompanhados de metodologia e balizamento normativo de modo a transmitir segurança através de critérios consagrados e a apresentação do valor mais provável, portanto, que corresponda à justa reparação dos prejuízos causados pelo uso público das áreas e pelas restrições estabelecidas, assim como quis o art. 5° do Dec. 35.851/54.
Na composição do “quantum” indenizatório, fatores como custo de desmonte (LC 76/93 – art. 20), avaliações das benfeitorias reprodutivas e não reprodutivas, a recomposição da área, danos emergentes, lucros cessantes, são alguns que podem estar presentes. Quanto à terra nua, entendemos que haja basicamente três variáveis de suporte contidas e somadas. A primeira refere-se ao prejuízo que o proprietário terá que arcar após a passagem da LT. É vista como perda do valor comercial da propriedade, em razão dos ônus atrelados, ou seja, redução do proveito econômico. O segundo refere-se à desvalorização do remanescente (ARANTES, 2006), pois se sabe que o proprietário, pretendendo vender o imóvel, fatalmente haverá uma forte argumentação do interessado comprador em relação ao ônus presente sobre o imóvel. Prova de tal ocorrência é verificada na pesquisa de imóveis, onde não deixa dúvida que propriedades com servidões gravadas têm seu valor reduzido em relação a outras que não possuem esta variável. Na prática, poucos serão os interessados na aquisição de uma propriedade com o peso deste gravame. Daí a necessidade da busca de um coeficiente de servidão que possa representar esta desvalorização, baseado nos riscos, incômodos e restrições (ABUNAHMAN, 2008). Finalmente a terceira variável, refere-se ao seccionamento da área (ARANTES, 2006). Preferindo chamá-la de "seccioanamento virtual da área", pois toda a servidão (aérea ou terrestre), sua passagem causa no imóvel o seccionamento, pois na área de servidão estarão contidos os ônus “in comento”, ocasionando uma descontinuidade na propriedade. Desta feita, o local e o modo de como a faixa de servidão irá passar pela propriedade influi numa maior ou menor desvalorização do imóvel que também deve ser computada no estabelecimento do coeficiente de servidão.
Para alcançar esses objetivos, imperativo será a contratação de engenheiro civil quando o imóvel serviente for urbano (Lei Federal no 5.194/66, arto, 7, letra c), tendo como suporte a norma da ABNT - NBR – 14.653-2. Quando o imóvel for rural, o engenheiro agrônomo (Lei Federal no 8.629;93, art. 12, §3o) deverá ser nomeado ou indicado, tendo como suporte a norma NBR – 14.653-3. Tais profissionais, além de serem os únicos legalmente habilitados por lei federal, são os detentores da criação da técnica e metodologia reconhecida mundialmente. Para tanto, valem-se das prescrições da ABNT, da Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, bem como conhecimento do mercado, qualificando assim, trabalhos condizentes, chagando-se ao mais próximo possível do "valor real" de mercado.
Finalmente, não será difícil concluir a importância das avaliações imobiliárias criteriosas para garantir às concessionárias a liberação das áreas em tempo hábil, sem comprometimento do cronograma de obras e garantia de seu plano de expansão, daí a necessidade da adoção de mecanismos de gestão a começar a partir da união dos procedimentos sociais, técnicos e jurídicos encampados pelas concessionárias. Quando o ponto conflitante for o valor do imóvel, e geralmente o é, não há mais duvidas que o meio mais adequado para sua resolução é aplicar os procedimentos das consagradas técnicas da “Engenharia de Avaliações”. Já é histórico as infindáveis decisões balizadas por trabalhos que adotam tais técnicas, as quais alcançaram o justo valor de mercado contribuindo para com as ações reais imobiliárias. Informamos que a valoração nestes casos poderá ir muito além da aplicação de um percentual sobre o valor das terras e o engenheiro deverá sopesar todas as variáveis envolvidas. Para se chegar ao valor justo da indenização, torna-se necessária uma ampla análise sistêmica tanto do potencial construtivo e/ou produtivo da terra quanto à forma e uso das técnicas em função das restrições que acarretam ou sejam impostas ao imóvel serviente, aproveitando dizer que não se admite mais o empirismo, a experiência, o “achismo”, o “chute”, o olho clínico, as opiniões subjetivas e a bola de cristal como diretrizes para a busca deste valor.
* Sidney Carvalho – Eng.° Civil
Especialista em avaliações imobiliárias e perícias em engenharia.
Sócio da empresa ZÊNITE Topografia, Engenharia e Meio Ambiente
Associado ao Núcleo de Engenharia da AJORPEME.
Fizemos parte deste mundo virtual chamado blogueiros...parabéns pelo seu blog Sidney. Já estamos adicionados ao seu blog...visite e participe também do meu blog servidor público Joinville. At+
ResponderExcluir